Pegar a estrada diariamente no transporte de ageiros uma atividade arriscada, que coloca o motorista em situao de perigo acima da mdia dos trabalhadores em geral. Com esse entendimento, a Justia do Trabalho determinou o pagamento de indenizao famlia de um trabalhador que morreu em acidente na estrada. A empresa de nibus dever compensar os prejuzos sofridos pela viva e filhos menores, independentemente de culpa pelo ocorrido.
No dia do acidente, o motorista estava fazendo a rota entre Vila Rica, municpio localizado no extremo nordeste de Mato Grosso, at a cidade de Redeno, no estado vizinho do Par. Uma ponte estava sendo construda no trecho e, por causa da obra, as linhas de nibus tinham que obedecer ao desvio determinado pelas autoridades de trnsito. Foi neste ponto que a tragdia aconteceu: um choque frontal entre o nibus e uma carreta ps fim vida do trabalhador, aos 38 anos de idade.
Perigo nas estradas
Essa foi uma das 629 mortes ocorridas nas estradas de Mato Grosso em 2020, resultado dos 6.578 acidentes registrados pela Secretaria Estadual de Segurana Pblica (Sesp). Alm das mortes, causaram ainda 5.949 leses corporais. Nesse mesmo ano, o Brasil acumulou 33.487 vtimas fatais em decorrncia do trnsito, conforme dados do Ministrio da Sade.
Os nmeros revelam a extenso do perigo que envolve os motoristas no pas, especialmente ao se levar em conta que os nmeros se referem ao pior ano da pandemia, quando houve severa restrio circulao de veculos.
Essa realidade tem levado o Tribunal Superior do Trabalho (TST) a reconhecer que acidentes decorrentes da atividade profissional, com exigncia de conduo de veculo, ensejam o dever de o empregador arcar com os danos, independentemente de culpa. Isso porque os acidentes de motoristas profissionais nas estradam resultam da exposio a risco acentuado sendo que, diferentemente dos demais usurios das rodovias, esses trabalhadores esto obrigados a se sujeitar s adversidades do trnsito de forma rotineira.
A questo tambm tem como base o Cdigo Civil que prev a responsabilidade, independentemente de culpa, nos casos em que a atividade normalmente desenvolvida pelo empregador traga risco potencial aos empregados.
Causa do acidente
No acidente que vitimou o motorista, duas hipteses principais foram apontadas como causa para a tragdia: a baixa condio de trafegabilidade no trecho, cuja visibilidade estaria reduzida devido poeira, ou uma manobra insegura do motorista. Essa ltima possibilidade foi apontada pela empresa ao se defender na justia. Segundo ela, a batida frontal teria ocorrido por culpa exclusiva do empregado falecido, que teria invadido a pista contrria e se chocado contra outro veculo.
O gerente do setor de motoristas, indicado pela empresa como testemunha no caso, disse que esteve no local logo aps o acidente, uma estrada de terra larga e tranquila, mas sem sinalizao. Disse ainda que o nibus invadiu a pista contrria e que a coliso pode ter sido causada por uma ultraagem perigosa ou por perda do controle do nibus em razo da poeira.
Caso confirmada, a culpa do empregado isentaria a empresa do dever de indenizar, mesmo sendo a atividade explorada pela empresa considerada de risco. Isso porque a culpa exclusiva da vtima, alegada pela empresa, uma das hipteses excludentes da responsabilidade civil, uma vez que faz desaparecer a relao de causa e efeito entre o dano e a atividade exercida pelo trabalhador.
A sentena dada Vara do Trabalho de Confresa concluiu, entretanto, que no ficou provada a culpa exclusiva da vtima no acidente de trabalho. A deciso foi alvo de recurso ao Tribunal Regional do Trabalho da 23 Regio (Mato Grosso) que, entretanto, confirmou a condenao das empresas em arcar com indenizao a esposa e os trs filhos do motorista pelo dano moral, alm de penso mensal.
Assim como na sentena, a 2 Turma do TRT entendeu que no ficou comprovada conduta imprudente do trabalhador, j que a coliso frontal entre o nibus e a carreta tambm pode ter sido ocasionada pelas condies adversas de visibilidade. Por unanimidade, a Turma seguiu o relator, juiz convocado William Ribeiro, que avaliou a deciso da Vara de Confresa como “irreparvel, na medida em que o juzo de origem entendeu no haver prova robusta nos autos da culpa exclusiva da vtima, no se podendo atribuir, sob presuno, culpa ao trabalhador pela ocorrncia do evento danoso".
Indenizao e penso
A 2 Turma manteve tambm o montante fixado pelo dano moral, de 35 vezes o ltimo salrio do trabalhador para cada um dos familiares. O valor foi alvo de recurso ao Tribunal tanto pela empresa quanto pela famlia.
O relator ponderou que a reparao do dano moral complexa e de difcil quantificao j que o valor arbitrado no deve deixar a vtima rica nem arruinar o empregador. Ele lembrou que a indenizao no visa quantificar o sofrimento, mas possibilitar a recomposio do equilbrio do sentimento. “Deve-se buscar uma soluo humanista que ao mesmo tempo no destoe da lgica jurdica. Qualquer que seja o valor nunca ser suficiente para reparar ou curar a dor causada pela perda de um ente querido”, salientou o magistrado ao confirmar os valores fixados na sentena.
O Tribunal confirmou ainda o pagamento de penso mensal famlia. Com base na doutrina e na jurisprudncia, a Turma manteve a obrigao da empresa pagar o pensionamento aos filhos at que completem 25 anos, negando o pedido da empresa de reduo para 21 anos. Tambm negou que o pagamento seja feito em uma nica parcela, como pedia a famlia, mantendo a penso mensal.
Por fim, confirmou que a condenao recai sobre empresa empregadora, que atualmente explora as linhas de transporte local, bem como sobre a segunda empresa, antiga proprietria da concesso intermunicipal junto ao Poder Pblico, que arrendou a prestao do servio. Isso porque ficou reconhecido que as duas empresas fazem parte do mesmo grupo econmico, de modo que ambas possuem responsabilidade solidria pelo pagamento dos crditos arbitrados na deciso judicial.