Relembre a entrevista de Dom Pedro Casaldliga ao Agncia da Noticia
Foto: Agncia da Notcia
Queria comear este texto perguntando o que faz um homem ser um heri, mas ao pesquisar mais a fundo o contedo desta entrevista percebi que se assim fizesse estaria cometendo um grande equivoco, pois ser um heri bem diferente de ser um santo.
E talvez esta seja a melhor definio de Dom Pedro Casaldliga, bispo da prelazia de So Flix do Araguaia que enfrentou a ditadura e os poderosos do latifndio para defender aquilo que acreditava, construiu uma imagem ao longo do tempo, que ele mesmo afirma ser impossvel negar, mas que tambm no pode se aproveitar dela.
Deus no chama ningum a ser heri, chama alguns para ser santo. E estes apesar de fazerem muito, e muito mais que os heris, acham que poderiam ter feito mais, pois no fazem com sua fora prpria, fazem com a graa.
Veja trechos da entrevista de Dom Pedro Casaldliga ao jornal Agncia da Notcia do dia 28 de fevereiro. Nela ele fez declaraes polmicas em relao poltica, ao agronegcio e a igreja Catlica.
Ao lutar contra o latifndio, automaticamente o senhor teve de enfrentar pessoas poderosas na regio, em uma poca onde a lei do mais forte prevalecia, quais foram os momentos mais crticos que o senhor enfrentou?
- Vivamos sobre constantes ameaas, era uma situao tensa, no podia estar em cima do muro, ou defendia o latifndio ou os trabalhadores e os ndios. As foras armadas do governo agiam estritamente na rea da prelazia, era uma operao de controle. Eu fui ordenado Bispo em 1971 na beira do Rio Araguaia, s no cortaram meu pescoo ou me devolveram Espanha, porque eu era Bispo.
O senhor foi perseguido por latifundirios, sofreu oposio dentro da prpria Igreja Catlica, o que o motivava a continuar lutando pelos mais fracos?
- Um jornalista me perguntou uma vez em Porto Alegre do Norte se eu sentia culpa pela morte do padre Joo Bosco, eu respondi a ele que o culpado era Cristo, por Ele que o padre Joo Bosco estava aqui. Eu estou aqui pelo evangelho, mas para mim as questes secundrias, no so secundrias, pois Cristo veio para salvar almas, mas no vejo almas andando pelas ruas, vejo pessoas.
Do que o senhor sente saudade?
- De Deus, tenho vontade de estar cheio de Cristo. Saudades de muitas coisas, da famlia, de lugares por onde andei. Saudades de coisas especificas como um prato servido na Catalunha, um po com tomate, azeite de oliveira e um pedao de pernil, que s encontrado l, faz tempo que estou de regime, sem sal, sem frituras e sem gorduras, como diziam uma mulher sem graa. Gosto muito de cinema, da pra assistir alguns filmes de vez em quando aqui em casa, isso facilita um pouco. Tenho saudades dos amigos, dos perigos, mas no sou um saudosista romntico.
O senhor tem idia do que Dom Pedro Casaldliga significa para o Mato Grosso, e isso lhe deixa apreensivo?
- Eu procuro insistir sempre com a equipe pastoral, que por ser Bispo, por meu temperamento, por escrever, por ser poeta, por ter feito algumas viagens e aes fui criando uma imagem que no tenho o direito de negar, mas tambm no posso aproveitar.
O senhor acredita que uma pessoa radical?
- O evangelho radical, vejo minha misso aqui como uma questo de f. A evangelizao no uma questo apenas de alma, no vejo almas caminhando pela rua, vejo pessoas. E so as pessoas minha maior preocupao.
O senhor se negaria a abenoar um grande fazendeiro, ou rezaria um missa em uma grande propriedade rural?
- Hoje j sou um Bispo aposentado, mas para fazer isso preciso cumprir as normas da igreja. A questo no se a pessoa rica ou pobre, mas sim se uma pessoa de bem ou no, explorador ou no. Agora como vou abenoar uma pessoa que explora e persegue pessoas, antigamente alguns pees se vendiam aos patres e perseguiam seus colegas de trabalho, como abenoar uma pessoa assim? Uma vez enterramos um peo sem caixo e nome no cemitrio na beira do Araguaia, e falei nessa missa que “a vida deste peo no vale menos que a minha”, mas ele estava sendo enterrado sem nenhum registro e sem a famlia nunca saber o que aconteceu com ele. Isto correto?
O que o senhor pensa quando a imprensa divulga os casos de abuso sexual cometido por padres?
- Esse problema secular, s que acontecia dentro das prprias famlias, entre pai e filhos, irmos, primos e isso ficava dentro da prpria famlia. Agora a coisa estourou, primeiro porque temos mais liberdade de comunicao, segundo porque alguns espertos principalmente nos EUA e na Irlanda descobriram uma fonte para abrir processos e terceiro porque a igreja precisa reestudar novamente o problema do celibato. O vaticano disse a pouco que o celibato no pra discutir, mas sim, no que o celibato seja a causa principal, mas o problema sexo precisa ser revisto. Na bblia tem trs tipos de castrados, pela natureza, pelo homem e por Deus, aqueles que renunciam ao matrimonio para dedicar sua vida a obra de Deus, existe essa vocao e quem ha tm, precisa assumir. Agora falei uma vez para um grupo de seminaristas que a renncia ao sexo no acontece uma vez apenas, mas uma luta diria que nos acompanha a vida toda. uma renncia diria, preciso rever o celibato com mais realismo.
Olhando para sua histria no Araguaia o senhor tem o sentimento de que cumpriu sua misso?
- No! Apenas fiz alguma coisa, mas poderia ter feito muito mais. No me preocupo com isso por que Deus amor, no seremos julgados, seremos abraados. Jesus no disse “Juiz nosso que ests no Cu, mas Pai nosso que ests no Cu”.
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