Nesta poca do ano, a palavra mais usada por quase todos os humanos “presente”. difcil algum – em geral, muito chato – ar por voc e no perguntar: “e a, j comprou os presentinhos de natal" />
Logo, o ato de presentear, iniciado pelos reis magos, conforme reza a Bblia Sagrada, talvez seja um dos mais recorrentes.
Embora eu no mais cultive esse hbito hbrido de falso cristianismo com o capitalismo bem real na cara e no bolso de todos, confesso que no estou isento de receber, pelo menos, anncios publicitrios dos mais variados produtos. Recebo-os pela mdia convencional, pela internet, por correspondncias e at por pacotes deixados anonimamente em minha caixa postal.
Pois bem. Dias atrs, recebi um desses pacotes. Nele, um livreto e quatro folhetos.
O livreto, com um ator global na capa, pretende arrastar-me para uma loja que vende sapatos. "Nesta poca do ano, a palavra mais usada por quase todos os humanos “presente”. difcil algum – em geral, muito chato – ar por voc e no perguntar: 'E a, j comprou os presentinhos de natal?'. "
Dos folhetos, um se refere a esse tipo de loja nas quais de tudo um pouco h: kit de ferramentas, ventiladores, abridores de garrafa de vinho, lanterna...
O outro folheto anuncia uma das marcas sas de carro. O terceiro, um colgio: “do berrio ao 9 ano”. Por fim, o quarto folheto! Ah, mas para falar dele, abrirei novo pargrafo. Ele merece destaque.
Aberto o novo pargrafo, agora posso falar o que pretende me vender o quarto folheto, mas, antes, pergunto: algum capaz de supor o que seja?
Acertou quem pensou em um anncio que se prope a apresentar o vestibular de “ensino a distncia” de uma faculdade particular.
Da publicidade, do qual sou um pesquisador, pouca coisa me irrita mais e me desilude da prpria humanidade do que o anncio da venda de ensino, ainda mais quando a modalidade a distncia.
Mas vamos l. Na capa do folheto, uma pergunta: “qual o seu sonho?”
Em formato de respostas alternativas, trs so marcadas: a) “ter um diploma; b) garantir o futuro da famlia; c) fazer amigos para a vida toda”.
Em termos de eficcia publicitria, tudo certo. Em termos de decncia acadmica, tudo errado.
Na verdade, os trs registros acima so decorrncias naturais de quem estuda de verdade. Todavia, antes ou acima de quaisquer um deles, deveria haver, pelo menos, alguma nota incentivando o ato de estudar em si. No h. Essa ausncia significa o prprio vazio acadmico de tais cursos. Elementar.
Para mim, que sou um mesmo romntico deslocado do tempo e espao, a escolha de um curso superior, antes de tudo, deve apontar, com clareza, para um dos momentos mais importantes dedicados a um aprendizado profundo de alguma rea do conhecimento humano, com a qual estabeleo afinidades.
A partir da obteno slida desse conhecimento, obtm-se um diploma. Por tabela, consegue-se a possibilidade de ascenso social (sua e de sua famlia) e, mais por tabela ainda, angaria-se algum amigo verdadeiro. Ah, no vale contar “amigo” do facebook!
No contente, a mesma empresa do setor educacional ainda oferece vrios cursos de “ps-graduao” em duas reas. E tudo “reconhecido” pelo MEC!
Por “ps-graduao”, leia-se: aqueles cursinhos sem nvel algum, cujo trabalho de concluso , em geral, comprado. Muitos deles, adquiridos naquela empresa de Minas Gerais recm-descoberta pela Polcia Federal.
E assim caminhamos para o fundo do poo. Enquanto a educao, com o aval do MEC, for tratada como mais um item de publicidade, o Brasil pode esquecer de futuro promissor. Ser em breve um pas repleto de graduados e diplomados semianalfabetos por todos os lados.
disso que precisamos?
ROBERTO BOAVENTURA DA SILVA S doutor em Jornalismo pelaUSP; prof. d Literatura/UFMT
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