A queda no ndice oficial de inflao em junho, anunciada nesta tera-feira (11) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), vista como um elemento de presso para o Comit de Poltica Monetria (Copom) do Banco Central (BC) iniciar um ciclo de cortes da taxa bsica de juros, a Selic, a partir de agosto. A opinio de economistas ouvidos pelaAgncia Brasil.
O ndice Nacional de Preos ao Consumidor Amplo (IPCA)ficou em -0,08% no ms ado.Foi o menor ndice para um ms de junho desde 2017. Os grupos alimentao e bebidase transportesforam os que mais ajudaram a puxar os preos para baixo no ms ado.
“A inflao est em uma trajetria decrescente desde fevereiro, e o acumulado em 12 meses est em 3,16%, bem no centro da meta de inflao. Como a taxa Selic para se atingir esta meta, a cobrana pela reduo deve ganhar fora”, diz o professor Jorge Claudio Cavalcante, do Departamento de Anlise Econmica da Faculdade de Cincias Econmicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
O economista Fabio Bentes, da Confederao Nacional do Comrcio de Bens, Servios e Turismo (CNC), considera o resultado do IPCA uma “grata surpresa”. “Esperava at uma estabilidade, uma ligeira queda, e veio um recuo um pouco mais forte que o esperado”, avalia.
Para Andr Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundao Getulio Vargas (Ibre/FGV), h trs fatores principais que fazem presso sobre a autoridade monetria. Um deles o ndice de difuso, que mede o percentual de produtos e servios que registraram aumento de preos. Esse ndice tem apresentado queda. “Em junho caiu para 50%. Esse nmero dois ou trs meses atrs estava em torno de 60%, ento, isso mostra que menos produtos e servios subiram de preo, isso um bom indicativo”, destaca.
Outro fator, segundo Braz, o chamado ncleo da inflao. “O ncleo tem a tarefa de medir a verdadeira tendncia da inflao e, apesar de estar muito distante da meta, est mostrando desaceleraes, isso tambm antecipa que a inflao est realmente em um processo de reduo”, analisa.
O economista destaca ainda o comportamento dos preos dos alimentos. “Isso bom porque mostra que, onde a populao mais carente sente mais a inflao, o IPCA tambm est perdendo flego. Esse processo de desinflao que comea nos alimentos favorece a condio da prpria poltica monetria [controle dos juros]. Eu diria que a gente tem os elementos para um primeiro corte na taxa bsica de juros na reunio [do Copom] de agosto”, aponta Braz.
O economista e professor do IbmecGilberto Bragaacredita em um consenso por reduo dos juros, mas aponta um sinal de alerta que pode diminuir o tamanho do corte.
“Houve um aumento no preo dos servios, que um setor extremamente relevante dentro da composio da inflao. o nico ponto negativo que se pode verificar nesse IPCA de junho. Isso afasta a possibilidade, no meu ver, de uma reduo maior que 0,25 ponto percentual”, avalia.
Bolso do consumidor
Apesar de o grupo alimentao e bebidas ter sido o de maior impacto no recuo dos preos em junho, o professor Jorge Claudio Cavalcante, da Uerj, explica que no necessariamente a populao possa j ter sentido esse alvio no bolso. “Devemos esperar uma queda mais pronunciada at que as pessoas comecem a sentir um alvio”, prev.
Destacando que o IPCA de junho apontou uma queda de 8,96% no preo do leo de soja, o economista Ricardo Caldas, professor da Universidade de Braslia (UnB), aponta que o consumidor ganha poder de compra. “ uma queda bastante substancial e, certamente, vai refletir no poder de compra porque o consumidor que economiza com leo de sojavai gastar esse dinheiro que sobra em outras coisas.”
"A percepo geral, quando voc compara numa perspectiva de mais longo prazo, de que os alimentos ainda esto caros, o que, de fato, se comprova porque eles foram os viles da inflao desde a pandemia. Quem faz compra de maneira frequente percebe que alguns itens ficaram mais baratos. Mas aquelas pessoas que no vo com habitualidade aos mercados e que tm memria de preos ainda tm uma noo de que est tudo muito caro", aponta Gilberto Braga.
Copom
O professor Marco Antnio Rocha, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas), relativiza a presso que a inflao negativa de junho pode fazer no Copom.
"A deflao est muito concentrada em itens do IPCA que respondem pouco poltica monetria [taxa de juros]. Alimentos tm preo formado em mercado, e transportes so preos istrados, ento, no fundo, a poltica monetria teve pouca relao com essa deflao”, avalia.
O Copom faz reunies a cada 45 dias, em que decide a taxa bsica de juros. Atualmente, aSelic est em 13,75%, sob a justificativa de que preciso combater a inflao. Ao fim da reunio mais recente, 21 de junho, o Copom emitiu um comunicado para explicar a deciso: “O comit avalia que a conjuntura demanda pacincia e serenidade na conduo da poltica monetria e relembra que os os futuros da poltica monetria dependero da evoluo da dinmica inflacionria, em especial dos componentes mais sensveis poltica monetria e atividade econmica, das expectativas de inflao, em particular as de maior prazo, de suas projees de inflao, do hiato do produto e do balano de riscos”, ressaltaa nota.
O juro alto uma forma de controlar a inflao, pois desestimula o consumo e deixa o crdito mais caro. Porm, mais recessivo, afetando o crescimento da economia e a gerao de empregos. Por isso, governo, empresrios e centrais sindicais tm pressionado pela queda da Selic.
A prxima reunio do Copom ser nos dias 1 e 2 de agosto. Ricardo Caldas, da UnB, lembra que, alm do cenrio de deflao recente, uma mudana na formao do comit aumenta a presso pela queda da Selic. O Senadoaprovou, no comeo do ms, os nomes de dois novos diretoresindicados pelo governo do presidente Luiz Incio Lula da Silva. “A diretoria agora j no mais formada apenas por indicaes do governo ado. Com isso, a tese da reduo da taxa de juros tambm ganha fora dentro do Banco Central”, explica.
O economista Fabio Bentes, da CNC, ressalta o pas registra a a menor inflao acumulada em 12 meses, desde setembro de 2020, no auge da pandemia. "Portanto, isso abre espao para alguma inflexo da poltica monetria do pas”, diz.Para ele, o fato de os preos dos alimentos estarem com uma tendncia de queda faz com que uma mudana de postura do Banco Central no se limite a apenas um corte na taxa Selic, mas sim vrias redues.
“[A tendncia de queda no preo dos alimentos] tima porque tende a fazer com que a inflao ao longo deste ano continue a migrar para o centro da meta, isso deve fazer com que o BC comece a implementar uma sequncia de corte nos juros. Claro que o BC no olha para inflao de junho, no olha mais para a inflao de 2023, olha para inflao de 2024. E a expectativa o IPCA de 2024 j est dentro do intervalo da meta de inflao”, ressalta.
A metapara a inflao deste ano de 3,25%, com variao de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. J para 2024 e 2025, o alvo do governo um IPCA em 3%, com o mesmo intervalo de variao.
Prximos meses
Apesar de enxergarem espao para o Copom cortar a taxa de juros, os economistas no acreditam, necessariamente, que haja outros resultados abaixo de zero ao longo de 2023. “No acho que devemos ver novas deflaes, a ttulo de exemplo, sem a reduo do preo dos automveis novos, o IPCA teria uma alta na faixa de 0,05%”, estima Cavalcante, da Uerj.
“O processo de desacelerao dos preos a gente j v desde janeiro. Isso deve continuar nos prximos meses. Essa queda deve continuar no necessariamente gerando deflao, mas tudo indica que vamos ter um ndice de preo em 2023 menor que o de 2022 [5,79%], e o mercado j est apostando para 2023 numa inflao abaixo, ou seja, dentro da meta”, explica Caldas, da UnB.
O economista Andr Braz, do Ibre/FGV, estima que a gasolina deve ficar mais cara em julho, por causa da volta de tributos federais. Mas sem efeitos to negativos para a inflao geral.
“A gente est vendo uma descompresso da inflao mais generalizada, principalmente entre os alimentos. A alimentao mais barata beneficia as famlias, principalmente as mais pobres, que comprometem mais da renda para a compra de alimentos. Isso mostra que o processo inflacionrio vai ser menos cruel com as famlias que tm menos de defesa”, diz.
Gilberto Braga, do Ibmec, ressalta que o comportamento de preos controlados, como plano de sade e tarifas de transportes pblico, luz e gua, ainda mantero um comportamento de continuidade na inflao. “A gente tem aniversrios de vrios contratos importantes, reajuste de tarifas de transporte pblico em algumas capitais, e, quando voc olha a inflao em 12 meses, voc puxa a memria para esse reajuste. Essa uma das razes pelas quais voc no derruba a inflao de maneira absurdamente abrupta de uma hora para outra”, explica.
O professor Marco Antnio Rocha, da Unicamp, tambm acredita que o IPCA vai terminar o ano dentro do teto da meta do BC. Mas ressalta que o Brasil est exposto tambm ariscos que no dependem da poltica monetria brasileira. “Pode haver outras presses que vo surgindo pelo meio do caminho, por exemplo, as questes climticas tornam muito incerta a situao do preo dos alimentos. Tem turbulncias internacionais na zona de conflito na Ucrnia, que podem afetar o mercado internacional, e tem ainda todo o comportamento da economia norte-americana, que parece que est ganhando flego”, enumera.
O comportamento controlado do IPCA e um esperado corte na Selic so, de acordo com Fabio Bentes, da CNC, um propulsor para o crescimento da economia. “A gente no tem grandes presses de preo no horizonte que permitam um excesso de cautela por parte da autoridade monetria. Devemos fechar o ano com uma taxa Selic em torno de 12%, que muito alta ainda, mas a tendncia o incio de um processo de flexibilizao e, l no final de 2024, quem sabe, uma Selic perto de 9%. Estaremos diante, possivelmente, de um novo ciclo de expanso econmica."