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Quinta-feira, 5 de junho de 2025
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E se esquecssemos tudo? Uma reflexo sobre os saberes que nos fazem humanos 5r3015

Foto: Assessoria

Tudo comea com o silncio. Mas no um silncio qualquer — um silncio to profundo que apaga at as palavras. No houve guerra. No houve exploso. Apenas uma noite caiu sobre o mundo, e com ela, a humanidade esqueceu de si.

Ao amanhecer, ningum sabia mais o nome do sol. Ningum lembrava como acender uma lmpada ou o que era um livro. As palavras estavam l, soltas, mas desconectadas. A linguagem havia se partido — e com ela, a civilizao.

Do caos, dois caminhos emergem: os que tentam entender e reconstruir, e os que seguem o instinto, criando uma cultura baseada na sensao. Com o tempo, essas duas foras entram em tenso: os Interpretes Antiquitatis, que buscam reviver o ado, e os Liberi Geniti, que rejeitam a herana antiga e inventam uma nova forma de ser.

Os Interpretes viviam do ado, mas esqueciam o presente. Os Liberi criavam sem razes e, s vezes, reinventavam o erro com nova linguagem. Ambos, sua maneira, buscavam sentido — um nas cinzas da memria, o outro no sopro da reinveno.

Essa histria fictcia, mas a reflexo real: que formas de conhecimento sustentam a humanidade? O conhecimento emprico o saber da experincia direta. John Locke dizia que a mente uma tabula rasa preenchida pela vivncia. Esse saber ressurge rpido. Os sobreviventes fazem fogo, pescam, reconhecem perigos, mesmo sem entender por qu. O emprico mora no corpo.

O conhecimento cientfico, baseado em observao, experimentao e validao, uma conquista da modernidade. Descartes, com seu mtodo da dvida, e Bacon, com a induo emprica, ajudaram a constru-lo.

No mundo do esquecimento, a cincia sobrevive como vestgio. Alguns tentam recriar padres a partir de fragmentos. A cincia ressurge como instinto racional, frgil sem linguagem, mas essencial para compreender o mundo.

A filosofia no se perdeu. Apenas mudou de forma. Mesmo sem palavras, as pessoas olham o cu e perguntam, com o corpo: “Por qu?” Scrates dizia que o verdadeiro saber nasce da ignorncia reconhecida. Plato, em sua Alegoria da Caverna, nos fala do despertar. A filosofia, nesse novo mundo, no traz respostas — mas orienta o olhar diante do desconhecido.

A teologia nasce da f, da necessidade de sentido. Para Agostinho, Deus habita a memria. Para Toms de Aquino, f e razo coexistem. Sem religies formais, os sobreviventes criam novos deuses: as estrelas, as rvores, o silncio. O sagrado retorna como tentativa de nomear o invisvel.

O conhecimento tcito o que no se diz — se sente. Michael Polanyi escreveu: “sabemos mais do que podemos dizer”. o saber das mos, dos gestos, do cuidado. esse conhecimento que faz uma me acalmar um filho ou um grupo danar ao redor do fogo sem motivo racional. O tcito o elo invisvel entre humanos — e resiste mesmo quando tudo mais se esquece.

O que aprendemos com isso? Talvez o mais assustador no seja esquecer tudo — mas desprezar o que mais nos sustenta. Cercados de tecnologia, esquecemos o valor dos gestos simples: cuidar, proteger, sobreviver. Conhecimentos empricos e tcitos, invisveis no cotidiano, so os primeiros a nos salvar quando tudo desaba.

A cincia, mesmo imperfeita, insiste em buscar a verdade. A religio d nome ao que no compreendemos — e acalenta. A filosofia no oferece respostas prontas, mas nos ensina a perguntar melhor e a escolher com mais humanidade.

Essa histria fictcia nos lembra: saber no decorar o mundo. lembrar de ser humano. “Em tempos de velocidade, distrao e excesso, talvez o maior gesto de sabedoria seja esse: sentir, lembrar, pensar — e, acima de tudo, refletir. Antes que o silncio volte.”

Fernando Wosgrau

Fernando Wosgrau
Fernando Wosgrau , mestre em Agronegcios, professor e palestrante.
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