OMinistrio Pblico Estadual (MPE) pediu a condenao da tenente do Corpo de Bombeiros Izadora Ledur pelo crime de tortura que teria causado a morte do aluno Rodrigo Claro em novembro de 2016. Nas alegaes finais, o MPE afirma que Ledur causou intenso sofrimento fsico e mental a Rodrigo, o que lhe custou a vida. O julgamento est marcado para 27 de janeiro de 2021.
Ao final do processo, o rgo pretende a Procuradoria-Geral de Justia (PGJ) entre com ao para que Ledur seja excluda do quadro do Corpo de Bombeiros.Com base em depoimentos colhidos durante o processo, promotor de Justia Paulo Henrique Amaral Motta, que atua na 11 Vara Criminal da Justia Militar, argumenta no documento que submeter o ento aluno do 16 Curso de Formao de Soldado Bombeiro aos diversos afogamentos no tinha qualquer carter pedaggico.
O treinamento aconteceu em 10 de novembro daquele ano. A aula era liderada por Ledur e foi realizada na Lagoa Trevisan, e Cuiab, para treinamento de travessia. O MPE considera que Rodrigo estava sob “guarda e autoridade” de Ledur quando ela utilizou violncia para aplicar castigo pessoal ao aluno.
O tenente-coronel Marcelo Augusto Revles, o tenente Thales Emmanuel da Silva Pereira, os sargentos Diones Nunes Sirqueira e Enas de Oliveira Xavier e o cabo Francisco Alves de Barros tambm foram denunciados por terem se omitido frente tortura aplicada por Ledur. A ao penal relativa a eles foi suspensa por trs anos e so julgados em outro processo.
A denncia foi recebida em 27 de julho de 2017, na 7 Vara Criminal de Cuiab. Depois, a legislao brasileira mudou e determinou que mesmo em casos de crimes comuns, como o de tortura, os militares devem ser julgados pela Justia Especializada. O processo ou ento para a 11 Vara Criminal.
O MPE apurou que a tenente viu que Rodrigo tinha dificuldade em atividades aquticas e teria ado a utilizar “”mtodos reprovveis e abusivos”. Ela dava os chamados “caldos”, quando uma pessoa chega por trs da outra na gua e a afoga de maneira repetida. A violncia mental, cometida por meio de ameaas de desligamento, ofensas e xingamentos, tambm foi utilizada para castigar Rodrigo, de acordo com o rgo.
Na data do treinamento, Rodrigo apresentava cansao e dificuldade de continuar j na primeira parte da prova de travessia da Lagoa. Um colega, Maiuson da Silva Santos, tentou ajuda-lo, mas Ledur teria visto a dificuldade e voltado a aplicar os caldos, de maneira reiterada.“No bastasse o estado de insuficincia fsica apresentada pela vtima, logo aps a concluso da primeira etapa da travessia, a imputada exigiu o retorno imediato do aluno Rodrigo Patrcio Lima Claro ao ponto inicial da prova, sem conceder a este qualquer chance de descanso, alm de ignorar por completo os pedidos de desistncia efetuados pelo aluno ofendido, o qual tinha conscincia de que no conseguiria completar o retorno”, diz o MPE.
Ao voltar para a gua, a tenente teria continuado com as sesses de tortura, tendo parado “somente aps verificar que a vtima j no esboava mais reao”.
“Ao concluir, mesmo diante de todo esse tormento, a primeira tarefa da instruo daquele dia, o ofendido Rodrigo Patrcio Lima Claro ajoelhou-se no cho e comeou a vomitar gua, vindo a informar que no possua condies fsicas de dar continuidade s demais atividades, tendo sido, nesse momento, alvo de chacota por parte dos seus superiores”, afirma.
Rodrigo se recusou a voltar para gua e Ledur determinou que ele se apresentasse ao Batalho do Corpo de Bombeiros para se justificar. Apesar das fortes dores de cabea e do estar vomitando muito, o aluno foi obrigado a ir sozinho at o batalho, onde se justificou e reclamou do estado de sade. Foi levado a p para atendimento mdico. Morreu em 11 de novembro de 2016, por hemorragia cerebral.
Depoimentos de alunos registraram que “era decepcionante a liderana exercida pela 1 Ten BM Izadora Ledur, uma vez que esta humilhava os seus alunos, chamando-os de “peloto lixoso, burro”, assim como os abandonavam diante das dificuldades apresentadas”.Os colegas relataram que Ledur “pegava no p” de Rodrigo pelas dificuldades apresentadas na gua. Os alunos ouvidos no processo relatam que mesmo quando Rodrigo j no tinha foras no meio da travessia e era “rebocado” pelos colegas, Ledur veio atrs dele e voltou a dar caldos, que o rapaz estava praticamente desacordado.
E que “embora a Tenente Ledur tratasse de forma humilhante todo o peloto, sua ateno era voltada, de maneira mais acentuada, em relao ao aluno Rodrigo Patrcio Lima Claro, haja vista as dificuldades apresentadas por este nas atividades aquticas”.
“Alm disso, o acentuado temor da vtima com os constantes abusos praticados pela 1 Ten BM Izadora Ledur de Souza Dechamps fora devidamente relatado por seus genitores, Sra. Jane Patrcia Lima e Sr. Antnio Claro, os quais ouviram seu filho manifestar profunda apreenso e medo com a travessia da Lagoa Trevisan, especialmente porque este tinha a convico de que seria torturado pela denunciada com os “caldos” e ameaas de desligamento do curso, tendo em vista que tal comportamento j havia sido demonstrado em etapas anteriores da instruo”, l-se no pedido.
O tenente-coronel do Corpo de Bombeiros Willckerson Adriano Cavalcante tambm prestou depoimento na fase de inqurito e no processo. Ele avaliou que a conduta de Ledur “no possua qualquer carter de aprendizagem”. Registrou que “a finalidade da travessia testar a resistncia, no sendo aconselhvel, nesse momento, a aplicao de tcnicas de desvencilhamento”.
“J na fase judicial, a testemunha Ten Cel BM Willckerson Adriano Cavalcante apresentou relevantes esclarecimentos sobre como devem ser desenvolvidas as atividades curriculares num curso de formao de soldados, oportunidade na qual, alm de ratificar as declaraes prestadas na fase inquisitorial, destacou que, na atividade de travessia, no h previso de submerso, de modo que a conduta de subir no aluno no apresenta qualquer finalidade didtica”, escreveu o MPE.
Outros alunos de outras turmas do curso de formao tambm relataram ter sofrido o mesmo tipo de tortura por parte da tenente.
“Deveras, restou incontroversa a configurao do delito de tortura, haja vista que, a partir dos depoimentos harmoniosos prestados pelas testemunhas, tanto na fase inquisitorial, quanto em Juzo, foi possvel verificar que a denunciada 1 Ten BM Izadora Ledur de Souza Dechamps, mediante o emprego de violncia, dolosamente, submeteu a vtima Rodrigo Patrcio Lima Claro, que estava sob a sua guarda e autoridade, a intenso sofrimento fsico e mental, como forma de lhe aplicar castigo pessoal”, avaliou.
Rodrigo no tinha doenas congnitas, de acordo com o laudo de necropsia, e por isso o MPE conclui que a morte s pode ter ocorrido em razo da tortura sofrida.
“Alis, a exposio da vtima Rodrigo Patrcio Lima Claro, e de outros alunos, s excessivas e inadequadas atividades fsicas, no se coaduna com as atividades intrnsecas de um bombeiro militar, mas, ao contrrio, consubstancia-se numa imoderada e inaceitvel interveno por parte daqueles que deveriam primar pela incolumidade fsica do seu corpo discente”, criticou o MPE.
Para o rgo, a “a cultura militarista de praticar excessos e abusos variados em face de alunos de cursos de formao, sob o falso argumento de que tal necessrio para o militar adquirir rusticidade e ar situaes extremas, oriundo das Foras Armadas, sobretudo do Exrcito”. No caso dos Bombeiros, so funes distintas, o que no justificaria o uso desse tipo de prtica.