A palavra desistir nunca fez parte do vocabulrio dapecuarista Maria dos Santos Borges. E motivos no faltaram. Solo encharcado, morte e roubo de animais, uma terra improdutiva.
Apesar de tudo, aprodutora de leitenunca deixou de acreditar que a pecuria poderia transformar a propriedade em produtiva e rentvel.
Maria filha de produtores rurais e foi criada na comunidadeFigueirinha, em Balnerio Gaivota, no extremo Sul de Santa Catarina.
Ela superou inmeros desafios no incio de sua jornada, e com o apoio doServio Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), agora sustenta sua famlia em uma terra que antes estava negligenciada e pouco produtiva aos olhos de muitos.
Histria de vida
Apesar de ter nascido no campo, a histria de Maria como empreendedora rural s comeou de fato em 2010 quando seu pai,Alar Rodrigues Santos, reuniu os filhos para dividir as propriedades.
Na poca, Maria e o marido,Edivaldo Borges, moravam em Santa Rosa do Sul (SC) e se viravam como podiam para sobreviver na cidade.
Maria estava empregada em uma fbrica de biscoitos e Edivaldo trabalhava como motorista.
“No foi uma poca fcil. Mesmo morando fora, eu sempre quis voltar para o campo. Quando o meu pai nos convocou para dividir as terras, enxerguei como uma oportunidade para realizar meu sonho”, conta Maria.
Na partilha, Maria ficou com uma “terra parada”, que estava sem produzir. “O solo era muito mido e estava tomado pela tiririca branca (planta invasora). Mas decidimos produzir assim mesmo”, explica Edivaldo.
Volta ao campo
A deciso de voltar ao campo para produzir exigiu uma srie de planejamentos. A primeira medida foi arrumar a casa da propriedade rural que, na poca, no oferecia condies para morar. “Trabalhei todo o ano de 2011 para juntar dinheiro para a fiao eltrica e, assim, colocar energia na casa. Ento, na virada para 2012, decidi ir embora de Santa Rosa do Sul e morar na propriedade em Balnerio Gaivota. Fiquei um ano e dois meses sozinha. Meu marido continuou na cidade para garantir nosso sustento”.
Com as economias da poupana e do seguro desemprego do antigo servio, Maria conseguiu comprar uma vaca holandesa que, na poca, custava R$ 2,5 mil, mas o solo mido e tomado pela tiririca da propriedade inviabilizava a construo de um pasto para o animal. E para aliment-lo, “a gente ia atrs de frutas na vizinhana”.
Com apenas uma vaca, Maria tinha o leite e ainda fazia queijo, habilidade que aprendeu desde pequena com a me. Mas trs meses depois, o animal caiu em uma vala e morreu. “No tinha o que fazer, s trabalhar para comprar outra”, disse ela.
O segundo animal do casal veio para a propriedade de uma forma inusitada. O marido de Maria tinha um dinheiro a receber do emprego na cidade. Mas como seu antigo patro ava por dificuldades, Edivaldo props um acordo e levou uma vaca leiteira como pagamento. O animal foi colocado no pasto do sogro e, numa noite, foi a nica vaca roubada do rebanho.
Com a morte e roubo dos dois primeiros animais, Maria conta, emocionada, como a famlia se uniu para ajud-los. A me, dona Lurdes, fez um emprstimo, a sogra tambm contribuiu e, com um pouco mais de economias, o casal conseguiu trs vacas.
Capim na moto
At o Senar chegar, o casal se virava como podia para alimentar os trs animais. “Quando eu saia de moto, pegava dois sacos de capim na beira da estrada. Era assim que a gente alimentava as vacas. No tinha pasto”. J para melhorar a acidez do solo, o casal enchia baldes de calcrio e espalhava na terra.
A vida na propriedade continuava difcil e para completar a renda, nas temporadas de vero, Maria saia de bicicleta para trabalhar em um atacado de sorvete prximo regio e ainda como costureira. “As trs vacas estavam l, a gente acordava de madrugada para tirar o leite. A terra ainda tinha muita umidade, era improdutiva, mas no perdemos a esperana de ter um pasto verde para os animais”.
Vizinhos e at familiares diziam que eles eram teimosos por insistir naquelas terras. “Muitos duvidaram, diziam que nosso esforo no ia dar em nada. Mas no existe terra ruim, existe terra malcuidada”, afirma Edivaldo.
Assistncia
Como sempre teve vontade de aprender, Maria sabia que faltava alguma coisa. Em 2018 o casal ficou sabendo de uma reunio do Senar, no Sindicato Rural de Ararangu, sobre a Assistncia Tcnica e Gerencial (ATeG).
Maria no teve dvidas. Era a chance para conseguir fazer a terra produzir, para o to sonhado “pasto verde”. No dia da reunio mais um imprevisto. O pneu da moto furou e ela conseguiu chegar s no final da reunio. “Pedi para que fosse atendida, ento marcaram uma visita do tcnico na nossa propriedade”.
“Quando cheguei, uma parte da terra estava tomada pela erva daninha, com poucos animais. Outra parte estava roada e a anlise de solo pronta. Mas o que existia de especial era a vontade, a determinao e a garra dos dois. Eles fariam qualquer coisa para a propriedade dar certo e isso ajudou muito”, lembra o tcnico do Senar Ricardo Nunes.
Durante o atendimento, o tcnico pediu para que Maria calculasse e registrasse a quantidade de leite dirio. Na propriedade tambm comearam os testes de vrias mudas de pasto para saber qual produziria melhor naquele tipo de terra.
‘Divisor de guas’
A propriedade de Maria e Edivaldo recebeu atendimento da ATeG do Senar entre 2018 e 2022. Foi um “divisor de guas”. Os 10 litros de leite produzidos por dia chegaram a 100 litros com as orientaes do tcnico Ricardo e com a ajuda de uma mquina de ordenha adquirida pelo casal. Tudo isso os levou a se dedicar integralmente atividade no campo.
Atualmente, o casal tem oito vacas e quatro – Flor, Agatha, Linda e Rosa Flor – em lactao. Alguns dos nomes dos animais foram escolhidos pela filha Maria Eduarda, que j mostra aptido para as atividades no campo. “J sei tirar leite e quero ser veterinria”.
A terra que um dia estava encharcada, alm de ter muita acidez, hoje produtiva e conta com um pasto verde que alimenta o rebanho. “Muitos disseram que o nosso esforo no ia dar em nada e hoje a gente vive disso. Em dois meses de atendimento, ns j tnhamos comida para dar aos animais. Em seis meses, bastante pasto. Olhei pra Maria e disse: ‘ns vamos ficar aqui, porque aqui o nosso lugar’. Vamos mostrar para quem no acreditou que a terra tem potencial. O Senar abriu as portas que a gente precisava”, diz Edivaldo.
“O que o Senar nos trouxe foi qualidade de vida. No cuidou s da terra, cuidou do nosso lado emocional, pessoal, do desenvolvimento social. Sem o Senar, estaramos trabalhando fora. Sem dvida ele tem papel fundamental na realizao de sonhos dos produtores rurais. Hoje tenho orgulho de onde cheguei e da mulher que me tornei”, conta Maria emocionada.