O que a vida? Diante dessa pergunta, logo nos vem conscincia a vida dos indivduos, das pessoas. Quando repensamos, vem-nos a ideia de vida dos animais, das plantas etc. Mas existe o incomensurvel plano da vida pr-individual — e, nesse, raramente pensamos.
A realidade pura da vida se encontra antes, atravs e aps os indivduos vivos: seja a de uma formiga, de um organismo unicelular, de um elefante, de um vrus ou de um homem. Nem mesmo pensamos no fato de que ela sempre existiu. A vida eterna, portanto, h um equvoco na espera da eternidade — ela j desde sempre. Estamos inexoravelmente mergulhados nela, na vida que s pode ser eterna. O que morre o indivduo; a vida jamais morre.A filosofia definiu a vida de uma forma extraordinria: “A vida pr-individual, pr-subjetiva, ontolgica, imanncia pura”, afirma Gilles Deleuze. A vida antes da formao de qualquer ente e preexiste a qualquer formao de subjetividade (mente, pensamento, percepo, valores etc.).A vida no tem comeo nem fim, tanto no sentido de trmino como no de propsito. Do mesmo modo, o universo. Por isso, “se o universo tivesse uma posio de equilbrio, se o devir tivesse um objetivo ou um estado final, ele j o teria atingido”, diz Nietzsche.PublicidadeNo h nenhum valor necessariamente correspondente vida. Ela no m, no bela, no feia, nem mesmo boa. A vida a vida. No tem um comeo e nunca termina. No se remete a um sujeito nem se dirige a um objeto. Logo, ela no existe por causa de alguma coisa, para alguma coisa. Ela no depende de nada fora dela.
S a vida das pessoas pode vir a ser boa ou m, triste ou alegre, com ou sem sentido. No excluo o fato geral de haver comunicao em meio natureza. Est fora de cogitao negar as linguagens diversas que os animais desenvolveram em seus habitats.As formigas dispem de feromnios e movimentos corporais comunicantes; os pssaros produzem sons especficos para o acasalamento e para a advertncia, em momentos de ameaa.Em seu ambiente, animais e plantas modificam suas cores, aromas e formas como linguagens que comunicam estados de coisas. O verde das florestas verdeja em variedade. Ainda que nossa percepo tenha apenas um verde fixado diante de nossos olhos, h multiplicidade de tons de verde que verdejam.
A filosofia nietzschiana diz que a vida est para alm do bem e do mal, a vida est para alm de valores morais. Mas a vida no tem valor transcendente, ou seja, exterior a si. Seu valor imanente a ela mesma.
Os valores que o homem d vida derivam dos sentimentos que ele experimenta: quando algum est triste, com dor, amargurado por perdas e decepes, possvel que diga: “A vida terrvel” ou “A vida ruim”.
Por outro lado, quando essa mesma pessoa est feliz, apaixonada, dir: “A vida bela”. Mas tudo isso diz respeito apenas s nossas paixes.
A vida continua em seu fluxo, indiferente aos valores que lhe atribumos. O que realmente importa que, sendo ela pura, sem imagem ou forma, faz com que o homem tenha o dever tico de produzir seu prprio sentido de viver.
* Psiclogo clnico e professor de filosofia e sociologia, autor do livro “Ensaios de A a Z para Mentes Inquietas”